A primeira edição descentralizada do seminário pela valorização da vida ocorreu, nesta quarta-feira (18), no município do Rio Grande. Organizado pelo Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, cuja coordenação é da Secretaria Estadual da Saúde, em parceria com o município, o evento contou com a participação de convidados e teve apresentação de dados importantes sobre o tema. A iniciativa de realizar o seminário fora da capital buscou contemplar regiões do Rio Grande do Sul que são prioritárias e que têm estatísticas de alerta no cuidado integral à vida.
A mesa de abertura do seminário iniciou com a saudação do coordenador do Comitê Estadual, Bruno Moraes da Silva, à parceria e acolhida do município de Rio Grande para a realização do evento. Também à mesa, a secretária municipal de Saúde, Zelionara Branco destacou a sensibilidade do assunto: “temos o entendimento de que o momento requer olhar diferenciado e saúdo especialmente os trabalhadores da saúde, da educação, da assistência e todas as pessoas que se dedicam a essa causa”. Representando a secretaria estadual da saúde, a coordenadora da 3ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), Milena Hoffmann, ressaltou a satisfação em sediar a iniciativa de descentralização. “É importante levar o tema para o território, compartilhar conhecimento sobre esse agravo tão relevante na nossa região. Parabenizo, também, toda a equipe da 3ª CRS, que não mediu esforços para que o evento pudesse acontecer”, disse a coordenadora.
Os psicólogos Brunos Moraes da Silva e Kátia Rodrigues apresentaram o cenário epidemiológico do comportamento suicida no Rio Grande do Sul, com dados extraídos do Boletim Epidemiológico DVE/CEVS/RS (setembro – 2024).
Confira a íntegra do documento nesse link ou em anexo.
Membros do Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, eles destacaram que analisando de 2015 a 2023 o Brasil teve um aumento de 38% de óbitos por suicídio enquanto o Rio Grande do Sul sozinho teve um aumento de 32% no mesmo período. Dentro da necessidade da escuta empática, Bruno salientou a importância do olhar atento dos profissionais de saúde sobre tentativas e comportamento autolesivo, ambos de notificação compulsória. Além disso, o coordenador do Comitê frisou a necessidade de preenchimento correto de todos os campos da ficha, não ignorando ou deduzindo identidade de gênero, orientação sexual, raça/cor. “Esses dados são fundamentais para identificação qualificada e para traçar políticas públicas de forma mais assertiva. O silêncio faz crescer o tabu”, pontuou.
Agravo mutifatorial e perfil no RS
Rio Grande do Sul registrou 1548 óbitos por suicídio em 2023, sendo o dobro da taxa de mortalidade a nível nacional. Fruto de questões sociais, econômicas, culturais e ambientais, o fenômeno do suicídio no Rio Grande do Sul mostrou fatores multicausais, o que denota que a rede esteja atenta ao sofrimento da população relacionado com a emergência climática das enchentes.
“Profissionais de saúde também foram afetados e precisamos olhar para quem cuida de quem cuida”, explicou Kátia. As equipes-multi de cuidado em saúde a partir do território são fundamentais nesse processo coletivo de reconstrução e reconhecimento dos espaços e na reconexão entre as pessoas.
Meninas e mulheres de 15 a 19 anos são a estatística de mais tentativas, enquanto homens com 80 anos ou mais são os que mais morrem por suicídio no Rio Grande do Sul. Analisando o sistema de saúde, a maior parte das notificações ocorrem em hospitais, porque já chegam agravados. Conforme explicou o Comitê, esses indicadores mostram a urgência de capacitar os serviços de saúde na atenção primária para que se consiga identificar, notificar e intervir em tempo oportuno. “Números corroboram a importância de falar sobre sofrimento mental e buscar ajuda”, disse Bruno ao lembrar o tema da campanha estadual este ano: Pedir ajuda faz bem.
Dentro da Rede de Atenção Psicossocial nacional e no estado são ofertados à comunidade oficinas terapêuticas com promoção da autonomia e socialização no território, acompanhantes terapêuticos, composição de redução de danos e consultório na rua, Núcleo de Apoio à Atenção Básica (equipes de saúde mental que apoiam as Estratégias de Saúde da Família), além dos CAPS e ambulatórios de saúde mental.
Região sul do estado
Representantes da 3ª Coordenadoria Regional de Saúde, Janine Gudolle de Souza e Dóris Gomez Marcos Schuch apresentaram como a RAPS se estrutura na Região de Saúde 21 – Sul, corroborando os dados apresentados pelo Comitê. De acordo com o levantamento da série história 2010 – 2022 mais de 50% do total de violências registradas na região são por lesão autoprovoca. Em 2023, a taxa por este tipo de lesão foi de 122,3 por 100 mil habitantes, indicando necessidade de olhar atento da rede.
Os índices da região sul acenderam o alerta do estado e município e motivaram a descentralização do seminário estadual, fazendo com que o tema possa ser trabalhado em localidades estratégicas na prevenção da vida.
Comportamento suicida e manejo
Médico de Família e Comunidade, André Bendl é consultor técnico do Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio e explicou que o comportamento suicida é um espectro “continuum suicida”, um conjunto que inclui ideação suicida, planejamentos, ameaças, tentativas e o suicídio consumado. “Toda pessoa em sofrimento emocional está pedindo ajuda de alguma forma. Necessário exercermos a escuta qualificada e a prevenção entendendo as vulnerabilidades e o comportamento de forma ampla”, ressaltou.
Bendl pontuou que o suicídio nunca ocorre por um só motivo, sendo sempre uma soma de condições centralizados em uma forte dor psíquica e sentimento de desesperança. Fatores como transtornos psiquiátricos e abusos na infância podem indicar risco tanto como desemprego e questões socioeconômicas. “O vínculo de confiança estabelecido na atenção primária é importante. Falar sobre suicídio de forma responsável não induz ao suicídio e ainda pode ser um alívio para a pessoa que está com ideação e encontra no profissional de saúde alguém disposto a ouvir”, realçou.
O médico também deu ênfase à necessidade de trabalhar o tema com a imprensa, uma vez que a boa informação é aliada da prevenção, como traz o Plano Estadual de Promoção da Vida 2022-2025. “Suicídio não é responsabilidade do psiquiatra, é responsabilidade de toda a rede de atendimento em saúde, é responsabilidade do jornal local, da educação familiar, das escolas, para que as pessoas aprendam a pedir ajuda sem julgamentos”.
Ainda sobre o papel da assistência, o profissional apontou a linha de cuidado do Ministério da Saúde como base para que os municípios criem espaços e articulações na rede de promoção, prevenção, assistência e posvenção em todos os meses do ano.
Contexto universitário
Ao longo da tarde a programação teve a psicóloga Juliana Antunes Souza apresentando pesquisa realizada da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) em quetreinamento de gatekeepers (guardiões) mostrou como o assunto pode ser trabalhado no ambiente acadêmico. “A intersecção de saúde e educação é um dos motivadores de trabalhar a pauta do suicídio com estudantes e servidores, assim como proporcionar espaços dentro da universidade para desmitificar o assunto”, defendeu a psicóloga.
Representando o Projeto Cepranti – Círculo de estudos das práticas antirracistas na Ufpel, a aluna Milene Nascimento relatou como o racismo atravessa as paredes da universidade. “É urgente evitar a desistência de pessoas negras de seguir os estudos por questões de racismo institucional. Não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”, frisou.
Equidade em saúde
Coordenadora regional das Políticas de Equidade, a psicóloga Djeniffer Rodrigues trouxe um panorama das políticas de equidade na região sul, apontando como comunidades quilombolas, povos indígenas, população LGBT e pessoas privadas de liberdade muitas vezes são excluídas por subnotificação e preconceitos dentro dos serviços de saúde. “Precisamos olhar para a especificidade para poder de fato olhar para essa pessoa e fazer essa assistência à saúde, compreendendo as particularidades de cada vivência e fazer o enfrentamento destas problemáticas invisibilizadas”.
Onde buscar ajuda
- Unidade de Saúde mais próxima da sua residência;
- os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS são serviços na modalidade portas abertas, isto é, a população pode buscar acolhimento mesmo sem encaminhamento de unidade de saúde específica;
- Centro de Valorização da Vida (CVV) - ligue gratuitamente para 188.
ASSESSORIA -- PMRG