A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) une-se à celebração da Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância, realizada de 12 a 18 de outubro, conforme a Lei Nº 11.523/2017. A iniciativa visa conscientizar a população sobre a importância de proteger as crianças desde a concepção até os seis anos, um período determinante para o desenvolvimento social e emocional saudável. Confira as contribuições dos profissionais da Ebserh e saiba como reconhecer os sinais de violência.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência é definida “como o uso de força física ou poder, em ameaça ou, na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”. Essa violência assume várias formas, incluindo física, psicológica e sexual, cada uma com impactos profundos no desenvolvimento das crianças. Ainda, conforme o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), “em todo o mundo, grande parte da violência contra meninas e meninos acontece dentro de casa, e o agressor é conhecido da vítima”.
Agressões cotidianas, palavras que ferem e abusos silenciosos
“A violência física pode consistir em agressões físicas eventuais, sistemáticas ou extremadas como ‘palmadas educativas’, ‘surras’, ‘tortura’, traumatismos ósseos, hemorragias, queimaduras e até a morte”, explicou o psicólogo hospitalar Jakson Cerqueira Gama, do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS), especializado em psicologia infantil. São casos que ilustram essa realidade: bebês com lesões graves, incluindo traumatismos cranianos provocados por cuidadores sob efeito de substâncias entorpecentes, e crianças com deficiências visuais suspeitas de maus-tratos.
Jakson, que trabalha há 17 anos com crianças e há 10 no HU-UFS, destacou que a violência física não muda comportamentos: “Os castigos físicos tendem a gerar comportamentos de mentira e fuga (para não apanhar)”. A agressão física ensina às crianças que a violência é um meio aceitável de resolver conflitos, um padrão que pode ser repetido na vida adulta.
A violência psicológica, embora menos visível, é igualmente destrutiva. Ela envolve “palavras humilhantes e desmoralizantes como: ‘você não faz nada certo!’ ou ‘você é inútil’ e que têm um impacto profundo no desenvolvimento da autoestima e da identidade da criança”, explicou o psicólogo. Um exemplo recorrente é a alienação parental, que ocorre quando os pais em disputa colocam a criança no meio do conflito, desqualificando o outro genitor. Isso gera confusão emocional e pode afetar gravemente o desenvolvimento psicológico das crianças.
A Lei 12.318/2010, que regulamenta a alienação parental no Brasil, define essa prática como uma interferência nociva na formação emocional da criança. Por exemplo, o caso real da criança que vivia com a mãe e a tia de consideração. “A tia dizia à criança: ‘Sua mãe vai namorar e abandonar você e sua irmã’. Isso gerou uma exacerbação da angústia de separação, comum em crianças com pais divorciados”, relatou o psicólogo. A criança, em desespero, chorava incessantemente e escrevia cartas de despedida para a mãe, que imaginava estar morta.
A violência sexual é ainda mais devastadora, por envolver a violação da inocência infantil. Em muitos casos, os abusadores são pessoas próximas, como pais ou parentes. Jakson explicou que “o abuso sexual pode envolver atos como masturbação forçada, sexo oral ou até penetração, muitas vezes sob ameaça de agressão ou em troca de presentes”. Além disso, a exploração sexual infantil, que abrange práticas como prostituição, turismo sexual e compartilhamento de imagens sexuais abusivas, é outra forma de violência sexual.
As consequências psicológicas dessas violências são profundas e podem acompanhar a vítima por toda a vida. Jakson observou que “as violências, em geral, podem fazer com que aquele que sofre a ação possa se tornar o autor da ação, quando adulto”. Traumas não tratados adequadamente podem levar a dificuldades de relacionamento, distúrbios psicológicos e até à repetição do ciclo de violência. Para tratar esses traumas, o psicólogo defendeu a importância de cessar a violência e acionar órgãos de proteção, como o Conselho Tutelar. Ele salientou que “dessensibilização, enfrentamento e resgate da autonomia são as bases de um tratamento eficaz”.
As mudanças comportamentais
A psicóloga hospitalar Mariana Azambuja, que atua no Centro de Referência em Atendimento Infantojuvenil (CRAI) do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr., da Universidade Federal do Rio Grande (HU-Furg), destacou diversas alterações comportamentais em crianças que podem estar sofrendo violência. São sinais como choro frequente sem motivo aparente, irritabilidade constante, apatia, desconforto no colo, regressão em etapas de desenvolvimento e dificuldades na amamentação, que podem até se manifestar como recusa alimentar e vômitos persistentes.
Embora mudanças de comportamento possam indicar sofrimento, nem sempre estão relacionadas à violência. “Quando conversamos com a família ou a escola e eles relatam uma mudança significativa no comportamento, o que conseguimos dizer é que algo está gerando sofrimento. Mas não podemos afirmar, só a partir desse comportamento, que se trata de violência”, esclareceu Mariana. Cada criança reage de forma única a traumas e os sinais variam conforme a experiência individual.
A psicóloga ressaltou a importância de um olhar atento de familiares e profissionais para notar quando algo não está bem, especialmente nos ambientes onde a criança se sente mais protegida, como a escola. “É fundamental que tanto as famílias quanto os profissionais estejam atentos às mudanças que indicam sofrimento. A criança vai precisar que estejamos abertos e seguros para que ela sinta confiança em pedir ajuda da forma que conseguir”, afirmou.
Mudanças na rotina de sono e alimentação, por exemplo, não indicam necessariamente violência. Situações como mudanças no ambiente escolar ou outros eventos podem gerar ansiedade e sofrimento, destacou Mariana. Ela enfatizou, ainda, a necessidade de abordar questões como educação sexual, para as crianças conseguirem identificar toques inapropriados e entender o que constitui uma violência. E reforçou: “Muitas vezes, as crianças não sabem reconhecer que estão sofrendo violência, então, é importante serem orientadas sobre isso”.
Recursos e estratégias no combate à violência
A assistente social Bartira Rocha Modesto, que atua na Unidade da Criança e Adolescente do Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB), destacou a importância de recursos disponíveis para proteger crianças vítimas de violência. São eles: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); Conselhos Tutelares; Vara da Infância e da Juventude; Secretaria de Justiça; Secretaria de Desenvolvimento Social, com Organizações da Sociedade Civil, centros de acolhimento e atendimentos integrados (psicossocial).
Os pais e cuidadores precisam receber orientação adequada para lidar com a pressão do dia a dia, sem recorrer a atitudes violentas. Segundo Bartira, é importante “conhecer a dinâmica familiar para pensar estratégias de intervenção que rompam ciclos de violência”. Em muitos casos, os responsáveis devem ser encaminhados para terapia cognitivo-comportamental, que pode ajudar a mudar padrões de comportamento prejudiciais.
Sobre a conscientização e prevenção, a assistente social defendeu a ampliação das campanhas de combate à violência na primeira infância. “A Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância precisa se tornar uma campanha contínua nas comunidades, escolas e unidades de saúde”, disse Bartira, reforçando que o ambiente familiar, onde muitas vezes os abusos acontecem, deve ser o espaço seguro e protegido.
EBSERH FURG