A pessoa com transtorno por uso de substâncias psicoativas (SPA) - não se usa mais o termo “vício” por ser estigmatizante - é o indivíduo cuja droga já passou a ocupar um espaço grande no seu dia a dia, com implicações na vida psíquica, emocional e física, prejudicando, inclusive os aspectos sociais e econômicos. A OMS estima que 6% dos brasileiros (cerca de 13 milhões de pessoas) sofrem com alguma dependência.
“O transtorno por uso de substância (que pode ser álcool, cigarro, maconha ou cocaína, por exemplo) tem como o seu quadro mais grave a dependência química, sinalizada por dois parâmetros: a síndrome de abstinência caracterizada quando o corpo sente a falta daquela substância; e o segundo que é a tolerância a ampliar o consumo: a pessoa usava uma quantidade xis, aí passa a usar dois xis, depois vai para três e para quatro vezes mais”, explica o coordenador do Ambulatório de Psiquiatria do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (CH-UFC), Fábio Matos.
Segundo o médico, ansiedade, depressão, nervosismo, fadiga, vômitos, dores no corpo, alucinações, convulsões e danos ao cérebro e a outros órgãos são alguns dos problemas provocados pelo uso de drogas.
Sinais de alerta
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a dependência em drogas tanto lícitas quanto ilícitas é uma doença, que precisa ser tratada rapidamente, pois gera um problema de saúde pública global. Mas como perceber que aquela cervejinha com os amigos ou o comprimido para combater a insônia configuram uma dependência?
Matos, que também é professor da UFC, ensina: “Por meio de um questionário com quatro perguntas com palavras-chave que formam o mnemônico RICA é possível analisar esse uso. O ‘R’ é de reduzir: alguém, no último ano, disse que era necessário você reduzir o consumo da substância? ‘I’ é de incômodo: você se incomodou com o comentário que alguém realizou sobre o seu uso da substância? Já o ‘C’ é de culpa: você se sentiu culpado(a) por ter feito algo quando estava sob efeito da substância? E o ‘A’ é de ‘abrir os olhos’: você sentiu a necessidade de usar a substância assim que acordou? Esses são os sinais que indicam que a pessoa precisa de ajuda”.
Segundo ele, o chamado “uso social” ou “moderado” do álcool é limitado a uma unidade diária para as mulheres (uma latinha de cerveja, ou uma taça de vinho, ou uma dose de destilado) por elas terem metade das enzimas que metabolizam o álcool, em comparação com os homens, que devem ficar limitados, por sua vez, a duas unidades. O professor alerta que essa quantidade não é cumulativa como uma poupança. “Um homem não pode, por exemplo, consumir de uma vez a quantidade que seria o aceitável para toda a semana e tomar 14 unidades de álcool num dia”, afirma.
Bebês também têm síndrome de abstinência
A dependência química afeta pessoas de todas as classes e de todas as idades, até recém-nascidos. “Em si não é transmitida geneticamente como uma condição inevitável, mas a exposição fetal a substâncias psicoativas pode ter consequências graves para o desenvolvimento da criança. Durante a gestação, substâncias como álcool, opioides, cocaína e nicotina atravessam a barreira placentária, podendo afetar diretamente o sistema nervoso central do feto”, explica a enfermeira da Unidade de Saúde Mental do Hospital da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD), Joana D’Arc Galves.
A especialista destaca que, em muitos casos, especialmente quando a mãe utiliza opioides e benzodiazepínicos (como tranquilizantes e sedativos), o recém-nascido pode desenvolver a Síndrome de Abstinência Neonatal (SAN). “Ela é caracterizada por irritabilidade, tremores, dificuldades respiratórias, crises convulsivas, distúrbios gastrointestinais e dificuldades na sucção, o que compromete a alimentação. Estudos indicam que bebês expostos a álcool podem apresentar Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), que pode incluir diversas complicações”, complementa Galves.
Tratamento
Quem necessita de tratamento no SUS devido ao abuso de álcool e outras drogas deve procurar as Unidades Básicas de Saúde (UBS), os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas III (Caps AD). O atendimento conta com equipes multiprofissionais.
O tratamento para crianças expostas a substâncias na gestação difere do tratamento dos adultos porque precisa ser, principalmente, focado no desenvolvimento neuropsicomotor. “Além do manejo clínico imediato da abstinência neonatal, essas crianças precisam de acompanhamento contínuo com equipe de enfermagem, pediatras, neurologistas, psiquiatras infantis, terapeutas ocupacionais e educadores. A intervenção precoce é essencial para minimizar déficits e proporcionar melhor qualidade de vida”, comenta Joana D’Arc Galves.
Já no caso dos adultos, o tratamento envolve estratégias psicossociais e, quando necessário, uso de medicamentos para manejo da abstinência e da fissura. “A abordagem é mais voltada para a reabilitação psicossocial, enquanto no caso das crianças, o foco está no desenvolvimento global e na redução dos danos neurobiológicos causados pela exposição às substâncias”, completa Joana.
Diversos hospitais da Rede Ebserh realizam o tratamento, como o Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr., da Universidade Federal do Rio Grande (HU-Furg), referência no assunto há 35 anos, com o trabalho do Centro Regional de Estudos, Prevenção e Recuperação de Dependentes Químicos (Cenpre). As atividades incluem a promoção da educação, a prevenção ao uso de substâncias psicoativas e o tratamento da dependência química, que é complexo e multifatorial, integrando os profissionais, os pacientes, seus familiares e a própria comunidade.
“O atendimento aproxima os profissionais das necessidades do paciente, com avaliação e elaboração de plano terapêutico individualizado com atendimento de profissionais da enfermagem, medicina, psicologia, serviço social e terapeuta familiar’, explica a coordenadora do Cenpre e professora da Furg, Ana Luiza Baisch.
Em Fortaleza (CE), no CH-UFC, assim como em outros hospitais da Rede Ebserh, a dependência é tratada para que não se agrave ainda mais o quadro clínico de comorbidades associadas, como o transtorno bipolar, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e o quadro depressivo.
Prevenção
A prevenção ao uso de substâncias psicoativas é o melhor caminho para evitar todos os problemas decorrentes. “Precisamos pensar em ampliar os fatores de proteção e de redução do risco para diminuir a probabilidade de os jovens se envolverem com as SPA. Oferecer ambientes saudáveis, atividades esportivas, escolas engajadas e educação em saúde são aspectos importantes”, afirma Ana Baisch.
A dependência é uma doença multideterminada, que deve ser avaliada de forma macroestrutural, incluindo os determinantes sociais. “A avaliação multidisciplinar, o uso de medicações específicas, o acompanhamento psicológico e a participação em grupos terapêuticos são aliados na manutenção da estabilidade emocional, proporcionando orientações que ajudam a evitar comportamentos e situações de risco”, relata Baisch.
Coordenadoria de Comunicação Social da Rede Ebserh