Trajetória de estudante com autismo é tema de pesquisa na FURG
Variadas
Publicado em 06/03/2025

Em sua segunda graduação, o estudante Guilherme Fonseca Correa apresentou o trabalho de conclusão de curso "Estudantes com TEA na Universidade Federal do Rio Grande - FURG, Rio Grande, RS, um Relato no Curso de Biblioteconomia", trazendo dados sobre as ações do Programa de Apoio aos Estudantes com Necessidades Específicas (Paene), da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) e do Núcleo de Estudos e Ações Inclusivas (Neai), do Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI).

Além de relatar experiências e vivências do estudante/pesquisador com Transtorno do Espectro Autista no Curso de Biblioteconomia da FURG, o trabalho representou quantitativamente a incidência de alunos com necessidades específicas nos cursos de graduação na FURG e a assistência a esses estudantes por políticas públicas locais. Na pesquisa, Guilherme resgata o início dos trabalhos do Paene, em 2010, em conjunto com o professores do Neai, para assistir os estudantes que tinham alguma dificuldade e precisavam de ajuda, visando a atender à política nacional de inclusão, nas instituições federais.

O processo de pesquisa descreveu também variáveis sobre os usuários dos serviços, a partir da análise de aspectos como idade, sexo, cursos e necessidades demandadas dos estudantes, sem nenhuma identificação pessoal, por meio de dados fornecidos pelo Paene. Para Guilherme, as ações "vêm contribuindo até hoje de maneira muito positiva. Os bolsistas são escolhidos através de edital, sempre ajustando para que sejam dos próprios cursos que irão atender ou muito próximo disso, o que, na grande maioria das vezes, não acontece. De qualquer forma, todos que necessitam são atendidos e têm todo o suporte necessário para continuar a faculdade. Esse entrosamento também evita a evasão na FURG".

A motivação para a pesquisa surgiu a partir da própria experiência e do desejo de que mais estudantes na mesma situação cheguem ao ensino superior. "Não existem muitos autistas no curso de Biblioteconomia e gostaria de trazê-los para o curso", conta o pesquisador. A expectativa é de que o trabalho sirva de contribuição "para que possa, de alguma maneira, ajudar outros estudantes que estejam nessa situação", como apresentou à banca avaliadora. "Este trabalho mostra a trajetória de um estudante com TEA, com suas limitações, mas com grande vontade de superar os obstáculos, mostrando que, com os recursos necessários, qualquer pessoa pode sim, estudar, trabalhar e conseguir os seus objetivos, sabendo que sempre existem as exceções. No meu caso, sempre tive esse apoio através do Paene/FURG e, com isso, consegui vencer vários obstáculos", revela, sobre a importância das ações de inclusão na universidade.

Foi justamente a superação um dos aspectos destacados pela banca na avaliação, como reforça o orientador, prof. dr. Claudio Renato Moraes da Silva. "A banca examinadora, composta pela pedagoga doutora Joyce Muriel, professora doutora Renata Braz Gonçalves e professor doutorando Bruno Luci, da FURG, atribuiu terminologias como superação de barreiras, coragem e gratidão. O Guilherme foi e continuará a ser uma fonte de aprendizado, uma composição de habilidades, fragilidades, limitações, alegria e desafiador de si e dos outros ao entorno", reforça.

Para o orientador, acompanhar a trajetória de Guilherme no curso e orientá-lo, foi um aprendizado. "Foi por em cheque e talvez chocar, os nossos aprendizados pregressos, as metodologias, os métodos, as normas e tudo que nos faz acreditar e ser professores educadores. No entanto, quando cada um de nós, professora e professor, sai do lugar de ensinar e toma assento nas carteiras da salas de aula e ouve, ouve e ouve de novo, ali mais se aprende", destaca o professor.

Guilherme faz questão de salientar o papel do orientador na realização da pesquisa. "Gostaria de deixar aqui registrada a grande oportunidade que me deu o orientador para eu poder desenvolver o meu Trabalho de Conclusão de Curso, num espaço humanizado, para poder falar a respeito deste tema de grande importância em todas as esferas. Sua capacidade, humanidade e, acima de tudo, respeito e olhar sobre as questões das diferenças foi de grande importância na minha graduação. Foi a pessoa que abraçou a minha ideia de expor a trajetória acadêmica com o TEA".

A defesa do trabalho de conclusão ocorreu no dia 30 de janeiro. No próximo 15 de março, Guilherme recebe o título de bacharel em Biblioteconomia em solenidade de Outorga de Grau no Cidec-Sul, o segundo de sua carreira. O primeiro foi em Arquivologia, também pela FURG, em 2020.

Resultados encontrados

Os dados apresentados sobre os atendimentos na instituição referem-se o ano de 2024. Verificou-se o atendimento a 91 estudantes na Graduação na FURG. Com o atendimento e suporte, esses 91 estudantes mantiveram-se em seus cursos. Segundo Guilherme, percebe-se que o maior percentual de estudantes atendidos (60%) ocorre na faixa dos 20 a 29 anos de idade. As demais idades também são representadas, em menor percentual, fazendo parte deste universo estudantil, incluindo as faixas de 30 a 39 anos (14,4%), 40 a 49 anos (12,2%), 50 a 59 anos (6,7%). Até 19 anos, 60 a 69 anos e 70 a 80 anos, não apresentaram porcentagens significativas. Os homens são a maioria (54,9%) entre os atendidos.

O curso de Bacharelado em Medicina é o que mais demanda por monitorias, logo após vem o de Letras Português - Espanhol Diurno, seguido pelo de Engenharia da Computação e pelo de Bacharelado em Biblioteconomia. Outro aspecto abordado pelo pesquisador é a baixa procura pelos serviços. "Levando em conta os mais de 60 cursos de graduação da FURG e, em 2024, somente 91 estudantes a demandar atendimento e apoios de monitorias, pode ser que esse programa seja pouco divulgado nas coordenações dos cursos, ou ainda desconhecido, ou até mesmo nem desperte interesse de alguns estudantes", considera Guilherme em seu trabalho.

Para o orientador Claudio, o recorte autobiográfico sobre a trajetória de Guilherme no curso de Biblioteconomia destaca o papel das políticas institucionais nas trajetórias do estudantes, como fundamental para evitar evasões. Além de apontar essa significativa contribuição, a pesquisa também aponta "o ímpar e fundamental trabalho desempenhado pelas monitoras/monitores, atores indispensáveis e responsáveis nesse processo de apoio, atendimento e fixação confortável e confiável dos estudantes nos cursos", reforça o professor. Ele ressalta que Guilherme é o segundo estudante com TEA no curso. Antes, Ranon Tales Rafael da Luz Nunes Laço Madruga concluiu o curso em 2023.

Trajetória

Nascido em Rio Grande, Guilherme frequentou ensino fundamental e médio, de forma regular, em escola pública. Desde a educação infantil, o apoio da família, principalmente da mãe, Maria de Fatima da Cunha Fonseca, foi essencial. "Sempre acreditaram no meu potencial e ajudam no que preciso. Minha mãe está sempre comigo", afirma. Prestes a receber o segundo diploma de bacharel pela FURG, conta como foi a escolha dos cursos de graduação. "Li a respeito, gostei bastante, porque gosto de classificar, digitalizar os documentos", afirma, sobre Arquivologia, no qual entrou em 2014, depois de prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Quanto ao segundo curso, deixa claro que um novo diploma já era um desejo. "Como queria fazer outra graduação, pesquisei nos cursos da FURG e Biblioteconomia me interessou, porque complementa minha outra graduação".

Ao longo de sua trajetória acadêmica, fez estágios no Centro de Educação Santa Medianeira (Cesam), na Biblioteca Rio-Grandense e na Biblioteca Central da FURG. Também atuou como bolsista na Pró-reitoria de Gestão de Pessoas (Progep/FURG). Nessas atividades, teve a oportunidade de atender diretamente aos usuários, atuar no recebimento e entrega de livros, além de atuar com a digitalização de documentos. "Aprendi bastante nos lugares em que trabalhei, fui bastante atencioso e respeitado. Recebi dicas maravilhosas para me dar bem no ambiente de trabalho", destaca. A atuação na Progep levou ao trabalho de conclusão de curso em Arquivologia, sobre assentamento funcional digital, abordando a digitalização de documentos dos servidores da FURG.

Sobre as dificuldades enfrentadas, lembra das situações que o marcaram desde a infância. "Sofri bullying no ensino médio e no fundamental também. Senti preconceito antes e também na graduação. As pessoas não gostavam muito de conversar comigo. Não queriam fazer trabalho em grupo comigo na Biblioteconomia. A função da escrita, a disgrafia, foi um problema também". A disgrafia, transtorno de aprendizagem específico relacionado à dificuldade de escrita de forma clara e organizada, levou à necessidade de contar com apoio de monitoria desde a primeira graduação, quando teve o primeiro contato com as ações do Paene e do Neai.

Diante dos obstáculos, é categórico em afirmar: "nunca pensei em desistir. Sinto-me um grande vencedor pela minha condição, mas sempre tive presente em mim que queria conseguir cada vez mais. Para quem tenha alguma dúvida do seu potencial, acredite sempre que é possível". Entre os planos para o futuro, estão "fazer mestrado, doutorado, trabalhar na área e ser professor universitário da FURG". Como mensagem aos que pretendem fazer graduação na FURG, Guilherme aconselha: "Aos estudantes que estejam pensando em cursar uma universidade pública, gratuita e de qualidade, como a FURG, que procurem conhecer os cursos e também as políticas públicas oferecidas pela universidade. Com certeza, em algum curso irão se encaixar, se beneficiar e poder fazer a tão sonhada graduação".

ASSESSORIA FURG

 

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