Para onde vai a arte após a pandemia?
Variadas
Publicado em 18/06/2020

Fotografias surrealistas inspiradas no isolamento. Aquarelas de profissionais da saúde e ambientes hospitalares. Colagens que alertam para a importância de ficar em casa. Contos de horror que sublinham as angústias da quarentena. A pandemia do coronavírus já mudou a forma de olhar para muitos aspectos do cotidiano, especialmente para a relação com a cultura. Mas que rumos a arte tomará a partir daqui? Pautados nos dados históricos e nas transformações já em curso, professores da FURG relembram como artistas pintaram as pandemias ao longo dos tempos - e projetam uma possível reinvenção do fazer artístico para os próximos que virão.

Da peste negra à gripe espanhola, grandes nomes das artes plásticas expressaram o desejo de reproduzir na tela a realidade da sua época. Em tempos de Covid-19, a coordenadora do curso de Artes Visuais do Instituto de Letras e Artes (ILA) da FURG, Fabiane Pianowski, tem observado nas artes, especialmente através do Instagram, um olhar mais atento sobre o cotidiano, o corpo, sobre si mesmo. "Vejo isso por um crescimento de performances 'domésticas' compartilhadas na rede. Mas certamente este é apenas um aspecto do momento", ressalta a professora. "Acredito que não é possível projetar nada ainda (para os próximos tempos), estamos ainda começando a entender e a aceitar esta situação para poder construir o que virá a seguir", acrescenta.

Para o professor e curador de arte Munir Klamt, humanos são "muito pouco hábeis" em prever acontecimentos futuros. Segundo ele, a constituição, as forças e a "suposta eficácia" destas previsões são, em si, equivocadas. "A soma de experiências pregressas e desejos e medos ocultos são a matéria das utopias, não do futuro; há uma clara diferença entre como gostaríamos que o futuro fosse (ou como tememos que ele seja) e como ele de fato será. A questão essencial é como discernir aquilo que estamos desabilitados a ver. Alguns autores se dedicam a pesquisar precisamente a história das previsões e o quanto elas acertam, e é surpreendente o quão inefetivas elas são, independente de virem dos maiores especialistas nas respectivas áreas. O impacto da internet não foi previsto, o potencial da máquina a vapor também não – e estes são apenas alguns exemplos de que o futuro é sempre alteridade", analisa.

Há quem preveja uma desconstrução dos padrões estéticos para uma atualização dos sentidos, como é o caso da professora Janice Appel. "Isso prevê a atualização da arte pública nas cidades, seus monumentos históricos - atualmente sendo destruídos na França, Inglaterra e nos Estados Unidos, já que não representam a sociedade revoltada pelos valores racistas e colonialistas que literalmente sustentavam estas estátuas", defende ela. "Neste interim pandêmico tornou-se fundamental, tanto para a arte pública como para os projetos em arte desenvolvidos na FURG, a capacidade de transformar e adaptar os projetos para uma ampliação do olhar sob o entorno e suas constantes novas formas de expressão urbanas, tais como nas alterações após o evento da pandemia causada pela Covid-19", completa a professora.

Além dos reflexos que a pandemia deverá provocar na estética, também são esperadas alterações significativas no mercado. "A lógica dos museus, das mediações, do legado que vinha construindo a arte relacional será modificada, bem como as zonas de contato das áreas humanas com a arte", compara a professora Janice. "Não quero dizer com isso que venha por aí um individualismo e um afastamento, ou que as artes virtuais e a distância venham a protagonizar a linguagem – até mesmo porque já vivíamos em épocas cibernéticas há bastante tempo. Mas acredito, sim, que haverá uma reconexão da arte com o lugar ocupado, tanto individual como coletivo social, desde a casa, o jardim, a paisagem, a família, até as possíveis reflexões sociais que possam nos conectar com o que temos bem abaixo dos nossos pés e que nos sustentam - que é o nosso pertencimento aos espaços que construímos e ocupamos, nossa ancestralidade, nossos saberes e até mesmo nossos sonhos", completa. O professor Klamt concorda que nas artes plásticas é fundamental a questão expositiva, isto é, o contato real com a obra, e que existem alternativas para repensar o espaço expositivo com normas de segurança sanitárias. "Na maioria dos espaços o fluxo de público é, com exceção dos vernissages, contínuo e homeopático. As migrações generalistas para o online são soluções apressadas e atabalhoadas, mas que nos ajudam, de forma prática e constituída por tentativa e erro, a refletir e experimentar maneiras e meios, novas tecnologias, que terão relevância para pensar a difusão de conteúdos em artes visuais no futuro", justifica ele.

Desde o início da pandemia, o professor desenvolve, em parceria com Laura Cattani e Juliana Proenço, uma plataforma de compartilhamento de processos criativos e ponderações sobre arte contemporânea, unindo artistas e pesquisadore(a)s. Buscando uma linguagem que seja específica das mídias sociais, foi criado o projeto Arquipélago. A proposta visa servir como espaço de discussões, estímulo à criação e reflexão, e difusão da arte contemporânea, sobretudo a partir da perspectiva de artistas e teórico(a)s oriundo(a)s e/ou isolado(a)s no sul do país.

Em relação ao fazer artístico, o professor Klamt compara o trabalho psíquico de compreender e internalizar o que está ocorrendo a um processo de luto. "Cada pessoa tem seu próprio tempo para processar os traumas, e pressionar para que isso ocorra não é correto. O mesmo vale para a arte. Nossa percepção está sendo mediada à distância, de forma que ainda não compreendemos plenamente, e obedecendo a interesses que desconhecemos. Esta equação gera uma sensibilidade que ainda estamos procurando discernir e isto, gerar sensibilidades ainda não verbalizadas, dar-lhes concreção, é da natureza da arte", finaliza.

Produção acadêmica
Docentes e técnicos do ILA têm desenvolvido ações durante a pandemia visando aproximar a arte da comunidade. Houve distribuição de alimentos e máscaras, bem como ações de galerias que estão momentaneamente virtuais, além de exposições e convocatórias que estão acontecendo em plataformas de redes sociais.

E a produção artística da comunidade acadêmica nos últimos meses tem chamado a atenção dos tutores. A professora Janice enumera alguns destaques. "O aluno Fernando Rocha desenvolve uma pesquisa em cartografias afetivas, e realizou um questionário durante a pandemia onde os moradores rio-grandinos têm que relatar quais paisagens revelam suas memórias antes da pandemia. Albert Teixeira está desenvolvendo para seu trabalho de conclusão de curso um blog interativo que tem a cidade como cenário, e que relaciona o método investigativo criminal aos questionamentos que a arte lhe trouxe durante a academia. Já Petra Barcelos está desenvolvendo uma série de desenhos intimistas que revelam o seu cotidiano doméstico durante a pandemia no convívio com gatos e plantas. Esses exemplos vêm do último ano do curso de Artes Visuais do ILA, portanto trazem importantes reflexões quanto aos tempos atuais já que detêm bastante vivência nestes seus quatro anos de curso, agora cunhados ao seu final, com o advento de uma pandemia", ressalta.

Miradas Enredadas
A professora Fabiane Pianowski também está à frente do projeto cultural Miradas Enredadas / Networking Glances 2020 - Pandemia / Pandemic. A convocatória de e-mail art sobre a percepção da pandemia por professores, artistas e pesquisadores de diferentes partes do mundo resultará na criação de uma exposição coletiva internacional nas redes sociais.

"Foi muito bom poder retomar o projeto este ano. A quarentena me levou a resgatar este projeto que funcionou muito bem nas edições anteriores, e que tinha tudo para funcionar neste período, uma vez que tudo pode acontecer virtualmente", ela explica. Assim, a divulgação acontece via redes sociais, WhatsApp, e-mail e página web, a inscrição pode ser feita no Google Forms, o envio do trabalhos por e-mail, e a publicação dos recebimentos ocorrerá nas redes, Google Maps e, futuramente, e-catálogo. "Está prevista uma exposição em espaços culturais; não se sabe quando isso será possível novamente, esperamos que em breve. Enquanto isso, seguimos navegando por este grande mar chamado internet", diz a coordenadora do curso de Artes Visuais da FURG.

Assessoria de Comunicação / FURG

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